Empresas estão atentas à diversidade, mas inclusão de grupos populacionais vulneráveis ainda é desafio no mundo corporativo, diz pesquisa

Promovida pela OIT, Somos Diversidade e UNAIDS Brasil, pesquisa faz parte de projeto que visa ampliar a inserção de grupos excluídos do mercado de trabalho, a partir de políticas de inclusão e equidade.

Notícias | 9 de Novembro de 2021
Brasília – A maioria das empresas no Brasil se preocupa em ampliar a diversidade no quadro de funcionários, mas ainda enfrenta desafios para promover a real inclusão, preparar o ambiente de trabalho com ações para acolher, reter e desenvolver talentos de pessoas provenientes de grupos marginalizados no ambiente corporativo. Com isso, buscam candidatos e candidatas para vagas regulares, sem adequar exigências de qualificações, o que leva ao não preenchimento das vagas ou à busca por colaboradores e colaboradoras até mesmo na concorrência. É o que revela uma pesquisa inédita realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a plataforma Somos Diversidade e UNAIDS Brasil.

A pesquisa “Diversidade Aprendiz” é parte do projeto “Diversidade Aprendiz: aprendizados para um futuro inclusivo”, que tem como objetivo ampliar a inserção de grupos excluídos pelo preconceito no mundo do trabalho. Para isso, a pesquisa buscou identificar, junto com empresas de diversos portes e setores, as dificuldades, barreiras de entrada, oportunidades e demandas necessárias para a promoção da diversidade e inclusão nos processos seletivos e nas políticas internas de permanência e ascensão no local de trabalho.

Os grupos populacionais excluídos alvos do projeto são pessoas migrantes, refugiadas, negras, com deficiência (PcD), com 50 anos ou mais, LGBQIA+ e egressas do sistema penitenciário ou que estão em liberdade assistida, assim como pessoas com baixa renda e que moram nas periferias.

No âmbito da pesquisa, o grupo formado por pessoas transexuais foi separado do grupo LGBQIA+ para testar, por meio da metodologia, a hipótese segundo a qual esse grupo seria ainda mais marginalizado do que os demais que formam a sigla no que diz respeito à entrada no mercado de trabalho. Dessa forma, o grupo T foi tratado como uma categoria à parte nos critérios da pesquisa.

“Conseguimos com esta pesquisa perceber uma série de dificuldades que ainda temos e consequentemente pensar em pontos de melhorias potentes e que acelerem a criação de culturas organizacionais verdadeiramente mais inclusivas. Estas análises nos mostram possibilidades para a construção de caminhos que irão nos ajudar a diminuir os abismos de desigualdades que existem, e este é sem dúvida, um grande passo, para irmos da teoria para a prática”, afirma Maite Schneider, coordenadora do Somos Diversidade e Embaixadora da Rede da Mulher Empreendedora.

Diversidade e inclusão


O conceito de diversidade está relacionado à representatividade dos diversos segmentos sociais e populacionais no espaço de trabalho. Ao passo que a inclusão se refere a criar mecanismos eficientes para a contratação pela empresa, mas também para reter talentos diversos, por exemplo, por meio do encorajamento de candidaturas de segmentos marginalizados da sociedade, mudanças nos processos seletivos e na cultura organizacional, de forma esse público seja acolhido.

De acordo com a pesquisa, cerca de 55% das pessoas respondentes afirmaram que as empresas onde trabalham estão muito preocupadas (55,71%) com a inclusão de pessoas de grupos marginalizados da sociedade. Ao passo que, 34% estão preocupadas em parte e 10% não estão preocupadas.

Além disso, cerca de 87% dos(as) respondentes da pesquisa afirmaram que suas empresas gostariam de ser reconhecidas por valorizar a diversidade e 78% das empresas dizem divulgar vagas encorajando a candidatura de grupos marginalizados, ainda que não o façam de forma sistematizada.

No entanto, a proporção cai quando se trata de preparar o ambiente interno corporativo: 60% dos respondentes disseram que suas empresas possuem ações ou programas de inclusão de grupos marginalizados. Ainda assim, mais de 60% dos(as) respondentes acreditam que o número de pessoas que fazem parte dos grupos marginalizados aumentou em suas empresas nos últimos dois anos e 80% acreditam que esse número tende a aumentar nos próximos dois.

Os números sugerem que as empresas entendem a importância e querem ser reconhecidas por valorizarem a diversidade e a inclusão, mas ainda precisam conhecer melhor a realidade desses grupos para possam criar processos seletivos capazes de atrair, reconhecer e recrutar profissionais dos grupos marginalizados e desenvolver o seu potencial no pós-contratação

Contudo, a pesquisa revelou que muitas das empresas que não possuem programas estruturados para a inclusão de grupos marginalizados já trabalham com algumas ações afirmativas. Isto é, a não existência de programas específicos formais não significa a ausência de ações na direção de um ambiente mais diverso e inclusivo.

" A inclusão de grupos marginalizados, de fato, requer o cuidado de entender que é preciso criar vagas e planejar processos específicos, inclusive atentando para a interseccionalidade de vulnerabilidades desses grupos, pois os segmentos não são estanques, e que o investimento no desenvolvimento é primordial", disse Thaís Dumêt Faria, Oficial Técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para América Latina e Caribe.

“A OIT tem sua missão histórica de promover o trabalho decente que só pode ser concretizado em uma sociedade onde todas as pessoas sejam livres para existir em toda sua identidade e potencialidade. A sociedade ganha com a inclusão de trabalhadores e trabalhadoras livres para exercer sua profissão, com criatividade e direitos.”, acrescentou ela.

Inclusão e representatividade


Dentre os(as) respondentes que disseram que as empresas em que trabalham possuem programas de inclusão: 74% afirmaram que há programas para a população negra, 69% para população LGBQIA+, 61% para PcD e 60% para pessoas transexuais. Dezoito por cento dos(as) participantes da pesquisa disseram existir em suas empresas programas inclusão voltados para migrantes e refugiadas, e 29%, ações voltadas para pessoas com mais de 50 anos. Apenas 3% dos respondentes disseram que suas empresas possuem programas voltados para pessoas egressas do sistema prisional.

A pesquisa aponta que os grupos mais bem representados dentro das empresas são: LGBQIA+ (45,54%), negro (32,52%) e população de baixa renda (30,77%). No extremo oposto, os grupos com menor representação, ainda segundo as pessoas respondentes, são pessoas egressas do sistema penitenciário (99%), migrantes (96,36%) e transexuais ((3,33%).

Isso sugere um descompasso entre os programas existentes e os grupos mais e menos representados dentro das empresas dos(as) respondentes. A menor representação de pessoas trans parece não refletir o percentual de programas corporativos voltados para a inclusão desse público. Nesse contexto, a situação de vulnerabilidade socioeconômica em que se encontra a maioria das pessoas trans poderia afastá-las das competências requeridas para as vagas disponíveis no mercado de trabalho e parece ser refletida na justificativa de contratação pelas empresas.

“É necessário enfrentar as desigualdades sociais e a discriminação que impactam no direito à saúde, ao trabalho, à renda, à educação e à cidadania. A superação desses desafios é fundamental para promoção de ações de inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho.”, disse Ariadne Ribeiro Assessora de Apoio Comunitário do UNAIDS Brasil.

Escada corporativa


As vagas de porta de entrada ou vagas de base, também chamadas de vagas operacionais, que exigem poucas competências iniciais e possibilitam inserção formal de grupos vulneráveis em termos socioeconômicos no meio corporativo.

No caso do perfil de contratações para essas vagas, a pesquisa revelou que mais de 80% das empresas dos(as) respondentes fazem contratação direta, quase 80% das vagas existentes estão concentradas no público que tem entre 14 e 29 anos (cerca de 21% para pessoas com mais de 30 anos e nem 1% para aquelas com mais de 60), e que 45% delas são voltadas para quem tem ou está cursando ensino superior - contra 27% sem qualificação superior.

Além disso, assim como na contratação para vagas que exigem escolaridade mais avanças, no caso das vagas de base as chamadas soft skills (boa comunicação e competências socioemocionais) sobrepõem-se às hard skills, que exigem qualificação, experiência ou certificação.

COVID-19.


É importante mencionar que algumas entrevistas expuseram questões relacionadas à COVID-19, demonstrando que algumas posições deixaram de ser necessárias no momento que a equipe está trabalhando em home office. Uma das entrevistas citou a vaga de recepcionista como temporariamente desnecessária, e outras duas citaram as profissionais da limpeza como pessoas que ficaram sem emprego, já que, sem trabalho no escritório físico, esse serviço deixou de ser primordial.

Caminho à frente


Na segunda fase do projeto, os resultados apurados servirão de alicerce para elaboração de cursos de capacitação e políticas de fomento e divulgação de oportunidades em conjunto com instituições e empresas parceiras, com a finalidade de promover a equiparação de currículos com a demanda real do mercado. A terceira e última etapa será a promoção e acompanhamento das contratações da população-alvo do projeto, promovendo, de fato, a equidade, a autonomia e a sustentabilidade.

Metodologia


A pesquisa foi dividida em duas partes, A primeira usou um questionário tipo survey, para coleta e análise quantitativa de dados, apresentados de forma autônoma pelas pessoas respondentes que receberam um link para acessar o questionário. Já segunda utilizou um questionário estruturado para coleta e análise qualitativa de dados por meio de entrevista.

Ao todo, 362 pessoas participaram das duas fases da pesquisa, realizadas entre maio e julho de 2021.

Ao todo, 68,7% das pessoas respondentes disseram trabalhar em empresa de médio porte (entre 100 e 500 funcionários) e grande porte (mais de 500);74% trabalham em empresas brasileiros e os demais em empresas estrangeiras com escritório no Brasil. 66,57% estão no estado de São Paulo, 8,43% no Rio de janeiro e 5,72% no Paraná.

A maioria (73%) informou trabalhar no setor de serviços, seguido pela indústria 16,6% e comércio 10,23%